Autor: Ir؞ Alfredo Vicente Terçarioli Ramos
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A HISTÓRIA É ESCRITA PELOS VENCEDORES!
Mais do que uma bela frase de efeito, esta pérola da filosofia contemporânea, com a qual nos brindou George Orwell, traz em si um alerta terrível de que nunca podemos aceitar brandamente a história como nos chega, sem antes passa-la por um rigoroso filtro do bom senso, da verdade e da análise honesta e isenta.
Muitas vezes ao
fazermos este exercício, terminamos nos deparando com situações, no mínimo,
desconfortáveis pois acabam revelando novos pontos de vista não muito populares
e que nos colocam na posição de iconoclastas de heróis incontestáveis do
ideário popular.
Ao fazermos a
reconstrução da história de um dos heróis nacionais mais incontestáveis
acabamos nos deparando com este dilema. Tiradentes é praticamente uma
unanimidade quando se quer descrever alguém patriota, destemido, idealista e de
um heroísmo folclórico e se torna uma tarefa muito ingrata ter que vasculhar um
pouco mais sobre esta figura histórica, mítica, para desvenda-lo melhor, sob
uma análise fria, imparcial e honesta. Porém é exatamente esta tarefa ácida e
certamente polêmica que iremos nos dedicar neste singelo texto.
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DO OBLÍVIO AO HEROÍSMO.
A primeira
coisa que percebemos, logo no início da análise, é que a figura de Tiradentes
somente começou a ser mencionada como herói nacional logo após a proclamação da
república que ocorreu em 1889. Antes disso essa figura história não era
mencionada e nem cultuada de forma significativa. Note-se que a inconfidência
mineira ocorreu no final do século XVIII e que Tiradentes foi executado em 21 de
abril de 1792, quase 100 anos antes do início da sua “fama”.
Por que esse
personagem ficou na obscuridade por praticamente um século e logo em seguida
foi guindado à condição de Herói Nacional? Por que não havia um culto contínuo
e respeitoso por Tiradentes por parte significativa da população durante todo
este tempo?
A impressão que
se tem é que a condição de herói de Tiradentes foi simplesmente “tirada da
cartola” dos estrategistas políticos e religiosos da república, um século após
a sua execução, por interesses específicos da elite republicada recém guindada
ao poder.
Pelo que a
análise política e antropomórfica indica, o recém instalado regime republicano
no Brasil enfrentava uma necessidade de adesão popular para consolidar o
movimento. Longe de ter sido um levante de origem popular, a proclamação da
república foi uma articulação de gabinetes de alta envergadura, especialmente
militares, que não foi calcado em qualquer profundo apoio popular. O Brasil
imperial vinha oferecendo uma administração relativamente tranquila e próspera
e a população não tinha grandes razões de queixas. Recentemente a boa campanha
militar da Guerra do Paraguai havia trazido tranquilidade às nossas fronteiras
e a grande insatisfação que havia era dos grandes empresários do negócio
agropecuário, além de uma parcela da nobreza local, devido à libertação dos
escravos por parte do poder Imperial. O aumento de custos gerado pela perda da
mão de obra escrava deixou os Barões do café, da cana de açúcar e da criação de
gado insatisfeitos e isso sim foi o grande combustível para a implantação do
regime republicano no Brasil, alguns anos adiante.
Os grandes
heróis nacionais até então eram todos ligados ao regime Imperial. Como exemplo,
citamos o Imperador Pedro I, que foi quem incorporou o heroísmo pela
Independência do Brasil em relação à Portugal. Caxias, o grande General da
guerra do Paraguai, era membro da nobreza e ostentava o título nobiliário de
Duque.
Faltava a
figura de um herói popular, nativo, que promovesse o orgulho de ser parte do
POVO Brasileiro.
O novo regime
republicano precisa urgentemente de um ícone com apelo heroico, para obter o
apoio e apreciação da imensa massa da população, até então indiferente à troca
de regime de governo.
A grande
solução encontrada pelos ideólogos da recém-inaugurada república, foi a
recuperação deste personagem histórico chamado TIRADENTES, um alferes do
exército executado pelo governo imperial um século atrás, sob acusação de fazer
parte de um movimento separatista chamado de inconfidência mineira.
E quais foram
as características especiais que acabaram fazendo com que a escolha recaísse
sobre este líder insurrecto da tal inconfidência mineira?
Tiradentes não
era da nobreza. Ele é de origem popular e sua ascensão social (tímida) ocorreu
quando ele ingressou nas forças armadas, como aspirante de oficial. O fato dele
não ser de origem fidalga era muito importante para a idealização deste herói,
pois ele tinha que ter raiz popular.
Tiradentes não
deixou mágoas profundas entre os militares da época. A Inconfidência mineira se
propunha a libertar o Brasil do domínio colonial Português, mas bradou muito
mais do que executou. O movimento era formado por muitos jovens idealistas,
vários deles de famílias abastadas, com boa formação intelectual, poetas,
músicos e alguns militares. Porém, na prática, nunca foi um grupo insurgente
que realmente preocupasse o poder militar da época. Foram relativamente fáceis
de se identificar e neutralizar. Portanto, não havia mágoas nem orgulho ferido entre
os militares.
O mesmo não se
daria jamais, por exemplo, se o candidato a herói nacional fosse Antônio
Conselheiro, líder do movimento de Canudos que, alguns anos mais tarde, causou
profundo estrago no orgulho do poder militar do Brasil pelo trabalho e esforço
que exigiram para abafar a revolução de Canudos. Vários militares de alta
patente e prestígio foram mortos no processo, e a figura de Antônio Conselheiro
causa repulsa nas forças armadas até hoje. O corporativismo militar não tem
barreiras no tempo.
Portanto,
Tiradentes era o candidato ideal a ser guindado ao posto de herói popular. Além
do mais, ele teve sim uma postura heroica inquestionável pois, quando a
inconfidência foi debelada e seus líderes presos, ele foi o único que não
renegou o seu ideal e manteve suas opiniões até o final, mesmo sabendo que
seria executado. Todos os outros líderes da inconfidência acabaram se
esquivando de uma punição mais severa pelo ato de renegarem os seus ideais.
Neste ponto não
há como negar que Tiradentes foi um herói legítimo.
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A CONSTRUÇÃO DO MITO
Mas isso não
era o suficiente. Ele já tinha a seu favor a credibilidade de sua história, mas
precisava de mais algum requinte para cair no gosto popular. E os estrategistas
políticos não foram tímidos nos detalhes adicionados ao herói.
Em primeiro
lugar, criaram para ele uma imagem MESSIÂNICA, a fim de fazê-lo cair nas graças
do povo. Os artistas criaram aquela imagem de Tiradentes conhecida até hoje: Um
homem alto, barbudo, vestido numa túnica branca, olhos amendoados e superiores,
e cabelos cortados à moda nazarena. Alguém é capaz de arriscar uma
similaridade? Não é preciso ser muito observador para identificar a semelhança
com a imagem mais conhecida de Jesus de Nazareth. Ao dar para o herói
Tiradentes uma imagem semelhante à figura maior da Cristandade, a intenção foi
também transferir-lhe esta aura de mártir e assim angariar a simpatia e adesão
da população Brasileira, majoritariamente Cristã.
A verdade é que
a imagem real de Tiradentes nunca foi retratada, nem por meios tecnológicos
(ainda não havia sido inventada a fotografia na época da sua execução) e nem
artísticos.
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Note-se como as
representações artísticas da época da criação do mito induziam à imediata
comparação mental da figura de Tiradentes com Jesus de Nazareth. Na gravura
foram agregados elementos como a presença de um religioso representando a
Igreja Católica solidária com o condenado (o que dificilmente ocorreu de
fato, dado o apego que a Igreja Romana sempre teve pelo poder constituído) e
uma outra pessoa claramente do povo, o que jamais seria permitido no patíbulo
por regra militar. Até o poste da forca lembra a cruz do supliciado de Jerusalém |
O fato é que
NINGUÉM sabe de fato como era a aparência de Tiradentes.
O que sabemos
de fato é que ele certamente não usava barba longa, pois era um Alferes do
exército imperial e a norma militar proibia explicitamente que se usasse barba
comprida. No máximo poderia ser um bigode. Os cabelos poderiam até ser longos,
mas obrigatoriamente teriam que estar presos, pois essa também era a norma
militar, que era muito rigorosa. E o fato dele estar aguardando a execução na
cadeia não o isentariam de cumprir estas normas, pois os militares Portugueses
eram extremamente rigorosos.
A túnica branca
também é improvável. Ele deve ter sido executado com trapos de sua vestimenta
original da época em que foi preso.
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PERFIL PSICOLÓGICO
Outro ponto
importante para refletirmos é quando à aura heroica e destemida que reveste a
figura de Joaquim José da Silva Xavier. Até hoje é propagado que ela o líder
maior da Inconfidência mineira e sua atitude, na época da prisão, foi a de um
destemido líder que assumiu toda a responsabilidade, isentando os demais
insurgentes. Fica assim patente a marca de um herói, valente, corajoso,
destemido e que se sacrificou pelos outros companheiros.
O fato é que
não existem documentos históricos suficientes para se traçar um perfil
psicológico de Tiradentes. O que parece que está mais perto da verdade é que
ele era destemido sim, bastante eloquente, pouco prudente pois começou a pregar
os ideais de insurreição dentro dos próprios quarteis, e tinha sim muita
coragem. Porém, aparentemente ele não tinha o intelecto para ter sido um dos
idealistas filosóficos do movimento, papel este que ficou reservado para outras
pessoas, entre estudantes e artistas, que tinham uma formação intelectual mais
sólida. Aparentemente, Tiradentes era o grande agente OPERATIVO do movimento, e
tentou de forma decisiva arregimentar adeptos para a causa.
Porém, por
falta de estrutura, meios materiais e, principalmente, adesões suficientes, o
movimento da Inconfidência mineira não causou mais do que alguns inconvenientes
para o governo da época e foi rapidamente debelado. Os outros líderes do
movimento se acovardaram e renegaram a participação para obterem indulgência e
não serem executados também, como acabou ocorrendo com Tiradentes.
A história de
que ficou plantada uma semente de liberdade e que floresceu mais tarde no
coração do povo Brasileiro é outra falácia, pois a desvinculação com o poder
imperial somente aconteceu um século depois e liderado por militares de alta
patente e a elite financeira do Brasil, insatisfeitos com a libertação dos
escravos. Certamente a proclamação da república não foi um movimento popular.
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SUMÁRIO
Em resumo, o
que tudo indica foi que TIRADENTES foi sim um herói legítimo, a seu modo, mas
certamente a sua imagem heroica que conhecemos nos dias de hoje teve uma ajuda
decisiva de especialistas em propaganda e políticos da época da proclamação da
república e esta imagem construída, muito embora em cima de um heroísmo
legítimo, foi propositalmente “ajustada” para atender a uma necessidade de se
ter um Herói Nacional Popular.
Fato |
Lenda |
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Tiradentes agiu heroicamente. ·
Tiradentes era uma figura energética e
eloquente. ·
A figura de Tiradentes nem era lembrada antes
da proclamação da república ·
Tiradentes foi “enquadrado” para exercer o
cargo de herói nacional |
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Tiradentes era o principal líder da
inconfidência. ·
A imagem de Tiradentes era semelhante à de
Jesus. ·
Tiradentes plantou a semente da liberdade. ·
A inconfidência quase obteve sucesso |
Como havia
alertado no início do texto, a intenção não é de forma alguma atacar ou
desmoralizar a figura de Tiradentes. Iconoclastia nunca caiu bem. Foi
reconhecido o heroísmo do personagem várias vezes no transcorrer do texto, de
forma positiva e incontestável.
O grande
objetivo deste ensaio e ampliar o entendimento de um fato histórico relevante
e, acima de tudo, estimular o espírito crítico e investigativo dos IIr؞ para todos os fatos e dados, pois esta é
nossa obrigação moral. Nós somos, antes de tudo, investigadores da verdade e o
nosso compromisso é com o estudo e o bom senso. Ainda bem que vivemos numa
fraternidade cujo lema é “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, pois isso nos
estimula a sempre agirmos de forma livre e destemida na investigação da
verdade.
Ir؞ Alfredo Vicente Terçarioli Ramos - M؞M؞
A؞R؞L؞S؞ Verdadeiros Irmãos, 669 – Oriente de São Paulo/SP
Jan/2021 da E؞V؞
Meu Ir.'. Alfredo, bom dia. SFU.'.
ResponderExcluirHá um outro dado a ser acrescentado, que Tiradentes, como Alferes, era uma espécie de correspondente entre a Corte e o então representante da corte em Minas Gerais, fazia o trajeto Minas Gerais com o Rio de Janeiro, levando e trazendo notícias da Corte para Minas e vice versa. Assim, ele tinha todas as informações que circulavam entre a Corte e a Província. Por ter estás informações, os inconfidentes começaram a tramar a Independência do Brasil, e ele foi uma espécie de Bode Expiatório, que acabou por assumir sozinho toda a responsabilidade, enquanto os demais buscavam se esquivar de responsabilidades para também não morrerem. D. Maria Primeira, a "Louca" que teria determinado a execução de Tiradentes em praça pública,o esquartejamento de seu corpo, que foi exibido em vários locais, para servir de exemplo a quem ousa-se a tentar continuar com aquele movimento separatista.
Parabéns muito esclarecedor.
ResponderExcluirParabéns meu Irmão... TFA
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