O TEMPLO MAÇÔNICO

O TEMPLO MAÇÔNICO

A REVOLTA DOS ALFAIATES







Autor: E. Figueiredo


Não se pode fazer uma revolução sem homens honestos.
  Mas eles são sempre liquidados logo depois. 
                                            Agatha Christie (1890-1976),



Além da Independência e Proclamação da República, a Maçonaria participou de várias revoluções que aconteceram no Brasil. Uma delas foi a Conjuração Baiana, há mais de 200 anos, de uma revolta ainda pouco conhecida em sua essência, com desejos de uma República Democrática.  Foi a primeira revolta social contra o sistema da história do Brasil.

No século XVIII, a insatisfação da população baiana contra a administração colonial se avolumava por conta da ausência de produtos, da fome e outras mazelas que assolavam a população. Foi, também, um movimentpo revolucionário negro, considerado um dos mais amplos do ponto de vista político, econômico e social do período Brasil-Colônia.  A produção de tabaco era forte na economia da região, que servia como moeda de troca com traficantes de escravos, sendo tal prática ilegal e ia contra os desejos da Corte Portuguesa.  Além disso, nesse mesmo período, os conteúdos do pensamento iluminista ali se manifestavam sob o signo da liberdade, da igualdade e da fraternidade.  De fato, a experiência revolucionária ocorrida na França servia de inspiração contra o domínio dos colonizadores.

Uma insurreição ocorre quando um grande grupo de pessoas se revolta contra os que estão no poder.  No Brasil usamos alguns sinônimos para citar insurreição:  rebelião, sedição, motim, revolução, insurgência, insubordinação ou revolta.  Tratam-se de diferentes palavras para expressar uma ideia geral, que é a rebelião contra alguma forma de autoridade vigente.

A Conjuração Baiana , também chamada de Revolta dos Alfaiates, foi uma conspiração de caráter separatista e republicano que aconteceu na cidade de Salvador, Bahia, em 1798. Alguns historiadores denominam o movimento como Revolta das Argolinhas ou Inconfidência Baiana ou. Revolta dos Búzios, em virtude do fato de alguns revoltosos usarem um búzio (concha de molusco em forma de espiral) preso a uma pulseira para facilitar a identificação entre si.  Porém ficou mais conhecida como Revolta dos Alfaiates porque vários integrantes tinham essa profissão.  Os líderes da conspiração eram os alfaiates João de Deus do Nascimento e Manuel Faustino dos Santos Lira, e, os soldados Lucas Dantas de Amorim Torres  e Luiz Gonzaga das Virgens.  E os historiadores afirmam, também, que o levante teve caráter completamente popular, pois incluiu, alfaiates, sapateiros, ourives, soldados, ex-escravos, padres, médicos e advogados. 

A aspiração pelos ideais libertários eram da elite, entretanto setores populares também ambicionavam condições melhores de vida e o fim do descaso e da situação de extrema miserabilidade que se tornaram as classes populares desde que a Coroa transferira a sede do governo colonial para o Rio de Janeiro, em 1763.  Havia também uma identificação com a luta contra a escravidão e por uma sociedade igualitária.

Entretanto, o verdadeiro líder, que trabalhava na clandestinidade, era o Maçom Cipriano José Barata de Almeida (1762-1838) que era membro de uma das primeiras Lojas Maçônicas brasileiras, a Loja Cavaleiros da Luz, fundada em Salvador em 1797.

A revolta formou-se no contexto das insatisfações da colônia para com a metrópole. Várias situações forjaram o processo de revolta que culminou com a Independência do Brasil nos anos vinte do século XIX.

O plano da conjuração dividiu-se em duas etapas:  A primeira seria a etapa da divulgação das ideias, quando teriam atuado com mais veemência os intelectuais ou comunicadores;  a segunda teria sido a fase operacional da tentativa do levante.  Cipriano Barata, com alguns Irmãos da sua Loja, teriam agido na primeira fase da rebelião, juntamente com o tenente Hermógenes Aguillar Pantoja, o  Padre Francisco Agostinho Gomes, o farmacêutico João Ladislau de Figueiredo e Mello, senhor-de-engenho Joaquim Inácio de Siqueira Bulcão (que foi o financiador da revolta), e outros.  Os nomes dos Maçons não teriam sido revelados por orientação de Cipriano Barata.  Vários historiadores confirmam a participação da confraria Maçônica no movimento.

Na segunda fase, os líderes eram os alfaiates João de Deus  e Manuel Faustino, os soldados Lucas Dantas e Luiz Gonzaga (que, juntamente com Cipriano Barata, redigiam os panfletos de divulgação).

Alguns historiadores discordam da participação de Cipriano Barata tendo um deles argumentando que “apesar de alguns indícios, parece certo que Cipriano Barata não se deixou envolver completamente na chamada  Revolução dos Alfaiates”.  Um fato atestado, pelo próprio Cipriano, que durante catorze meses em que esteve preso, negou veemente qualquer participação, inclusive de ser Maçom.

A liderança da insurreição estava a cargo de  Cipriano Barata, conhecido como filósofo e médico cirurgião dos pobres com grande espírito revolucionário.  Jornalista político, irrequieto e combativo.  Foi responsável pela grande influência da sociedade Maçônica, através da Loja Cavaleiros da Luz.  A revolta teve, também, grande influência de ideais iluministas, que ganharam força com a Revolução Francesa, além de alguns processos de independência no continente americano, como Estados Unidos da América e Haiti, junto com a Inconfidência Mineira.

A primeira Loja Maçônica, Cavaleiros da Luz, criada na Bahia, contava com participação de intelectuais, como, José da Silva Lisboa, futuro visconde de Cairu, Cipriano Barata, o João Ladislau de Figueiredo e Mello, Francisco Gomes, Francisco Barreto e Hermógenes Pantoja, que se reuniam para ler Voltaire, traduzir Rousseau e organizar a conspiração.  Muitos escravos e ex-escravos afro-descendentes compunham o grupo.  Esses homens se reuniam em várias casas e na Loja Maçônica Cavaleiros da Luz, onde as distinções de classe não importavam e a ideologia do Iluminismo era propagada com um desinteressado denodo. 

A população se encontrava em um nível muito grande de insatisfação.  Os revoltosos pregavam a libertação dos escravos, a instauração de um governo igualitário (onde pessoas fossem vistas de acordo com a capacidade e merecimento individuais) alem de uma República da Bahia e da liberdade de comércio e aumento dos soldos dos militares.  Tais ideias eram divulgadas sobretudo pelos escritos e panfletos, com palavras de ordem, do soldado Luiz Gonzaga e do Maçom Cipriano Barata.

Um desses panfletos declarava com espírito Maçônico implícito:

“ Animai-vos Povo baiense que está para chegar o tempo feliz da nossa Liberdade, o tempo em que todos seremos Irmãos: o tempo em que todos seremos iguais ! “

Tendo à frente Cipriano Barata e orquestrada por negros escravizados, libertos, trabalhadores pobres, alguns membros das elites brancas liberais e Obreiros da Loja Maçônica Cavaleiros da Luz, a Revolta dos Alfaiates teve o seu estopim no dia 12 de Agosto de 1798, um domingo. O movimento precipitou-se quando alguns de seus componentes, distribuindo os panfletos nas portas das igrejas e colando nos muros de locais movimentados do município, alertaram as autoridades que, de pronto reagiram, detendo-os. Assim como na Conjuração Mineira, interrogados, acabaram delatando os demais envolvidos.  Na verdade, a revolta estava marcada, porém um dos integrantes do movimento, o ferreiro José da Veiga, delatou o movimento para o governador, informando o dia e a hora em que aconteceria.  O governo baiano organizou as forças militares para acabar com o movimento, antes que a revolta ocorresse.  Vários revoltosos foram presos.

A insurreição  foi reprimida.  A Conjuração Baiana não conseguiu atingir seus objetivos, mas podemos mostrar, através dela, que naquela época a população já buscava tornar-se uma sociedade justa e perfeita e ter seus direitos de cidadãos. O poder local, naquele tempo, chamou o motim de “Sedição dos Mulatos” O movimento envolveu indivíduos de setores urbanos e marginalizados na produção da riqueza colonial, que se revoltaram contra o sistema que lhes impedia perspectivas de ascensão social. O seu descontentamento voltava-se contra a elevada carga de impostos cobrada pela Coroa portuguesa e contra o sistema escravista colonial, o que tornava as suas reivindicações particularmente perturbadoras para as elites. A revolta resultou em um dos projetos mais radicais do período colonial, propondo idealmente uma nova sociedade igualitária e democrática. Foi barbaramente punida pela Coroa de Portugal. Esse movimento, entretanto, deixou profundas marcas na sociedade baiana, a ponto tal que o movimento emancipacionista eclodiu novamente, em 1821, culminando na guerra pela Independência da Bahia, concretizada em 2 de julho de 1823, formando parte da nação que se emancipara a 7 de Setembro do ano anterior, sob império de D. Pedro I, que também foi Maçom.  Não obstante, há de se considerar que o evento foi reputado pela historiografia oitocentista como sendo uma anomalia social habilmente abortada pelas autoridades régias.  Muitos intelectuais também consideram que o levante foi a mais popular das revoltas que antecederam a emancipação política do Brasil, em 1822. 
Houve repressão, prisão e condenação.  A violenta repressão conseguiu estagnar o movimento, que apenas iniciava, detendo e torturando os primeiros suspeitos.  Durante a fase de repressão, centenas de pessoas foram denunciadas: militares, clérigos, funcionários públicos e pessoas de todas as classes sociais.  Destas, quarenta e nove foram detidas, a maioria tendo procurado abjurar a sua participação,  buscando demonstrar inocência. No dia 8 de Novembro de 1799, procedeu-se a execução dos condenados a pena capital por enforcamento os soldados Lucas Dantas de Amorim e Luís Gonzaga das Virgens, e os alfaiates Manuel Faustino dos Santos Lira e João de Deus Nascimento.  Os quatro condenados à morte eram todos afro-descendentes.  Os corpos foram esquartejados e distribuídos pela cidade.  O quinto condenado, ourives Luis Pires, fugitivo, jamais foi localizado. Os demais foram condenados à pena de degredo e chibatadas.  Cipriano Barata, temendo pela vida dos Irmãos da sua Loja, se esquivou o tempo todo sobre sua condição de Maçom, mantendo o sigilo que é inerente,  e escapou ileso;  nenhum participante Maçom foi condenado. Cipriano acabou sendo detido a 19 de Setembro de 1798 e solto em Janeiro de 1800.
As armas não chegaram a ser disparadas, os canhões não fizeram tremer as casas da cidade, mas os planos fizeram tremer as autoridades coloniais que não tardaram a perseguir e reprimir a conspiração.  Os ideais dos revoltosos incomodaram muito as elites coloniais e os governantes.

Devido à ampla adesão e participação popular, e em razão das propostas radicais defendidas, o movimento dos conjurados baianos representou o ápice das contradições sociais do período do Brasil colonial.  Além da luta pela emancipação política do Brasil, a Revolta dos Alfaiates buscou romper com o sistema de dominação tradicional escravista vigente que estava assegurado pela elite colonial.

A Revolta dos Alfaiates foi marcada por reivindicações características do povo.  A matriz ideológica que originou as ideias dos participantes do movimento tem suas raízes plantadas no fato histórico da Ilustração Francesa, também chamada de Movimento Iluminista, que culminou com a Queda da Bastilha.  Trata-se de um movimento intelectual que englobava ideias filosóficas, econômicas, políticas, sociais, religiosas e pedagógicas, resultante do processo de industrialização e do crescimento da burguesia industrial.  Os conceitos traziam em seu bojo uma teoria que criticava o estado absoluto e o antigo regime nos seus fundamentos políticos, econômicos e sociais, ao tempo em que apresentava proposta de renovação social destinados a justificar e divulgar os interesses da sociedade burguesa em expansão. Historicamente, essas ideias tiveram o papel da Maçonaria, dos Obreiros da Loja Cavalheiro da Luz, cujos seguidores na Bahia que fizeram parte do movimento, teriam organizado o levante.  Pode-se afirmar que a maioria das mudanças históricas de grande magnitude foi precedida por algum movimento da insurreição popular.

O legado da Conjuração Baiana é a capacidade e necessidade de as pessoas se organizarem e lutarem por suas demandas. A Revolta de Búzios ou Conjuração Baiana ou Inconfidência Baiana ou Revolta das Argolinhas ou Revolta dos Alfaiates, qualquer denominação que se queira dar, propunha um movimento que, embora abortado no seu nascedouro, assumiu imenso significado, não somente para a Maçonaria, mas para a História do BRASIL !

IP.XA.EIEI



Fontes consultadas:

   Alves, Nilson Lage Ivan – O Breve Sonho da Legalidade – A Revolta dos Alfaiates
      Hobsbawm, Eric John Ernest. – A Era das Revoluções  1789-1848
         Mattoso, Latia M. Queirós – Da Revolução dos Alfaiates  -  A Riqueza dos Baianos
            Ruy, Affonso – A Primeira Revolução Social Brasileira
               Scantimburgo, João de - O Brasil e a Revolução Francesa
                  Tavares, Luís Henrique Dias – A Conjuração Baiana
                     Valim, Patrícia – Configuração Baiana e a República Bahiense




(*) E. Figueiredo – é jornalista – Mtb 34 947 e pertence ao
                                               CERAT – Clube Epistolar Real Arco do Templo/
                                               Integra o GEIA – Grupo de Estudos Iniciáticos Athenas/
                                               Membro do GEMVI – Grupo de Estudos Maçônicos Verdadeiros Irmãos/
                                               Integrante do Grupo Maçonaria Unida/
                                               Obreiro da ARLS Verdadeiros Irmãos – 669 – (GLESP)

Um comentário:

  1. Bela pesquisa. Incrível vermos que com o passar dos anos, temos a impressão de que as pessoas estão mais acomodadas em lutar pelos seus ideais. Não consigo imaginar um evento como este nos dias de hoje aqui no Brasil. Acredito fazer parte de algo que ainda defenderá os ideais mais só dos homens livres e de bons costumes, mas de toda a nação.TFA Andre

    ResponderExcluir