Autor: E. Figueiredo
“A música é o barulho que pensa !”
Victor Hugo (1802-1885)
Um escândalo político aconteceu, envolvendo a Primeira-dama Nair de Teffé (1886-1981), a compositora carioca Chiquinha Gonzaga (1847-1935) e o senador Ruy Barbosa (1849-1923), no final do mandato do Presidente Hermes da Fonseca. Na noite de 26 de Outubro de 1914, houve um desses saraus, nos quais eram
apresentados números musicais de música erudita, tendo na
programação apenas obras clássicas.
No repertório, que incluía
peças do compositor Arthur Napoleão e uma das célebres
rapsódias do húngaro Franz List (1811-1886), praxes de
qualquer ambiente elevado da elite da Primeira República,
figurava timidamente um tango para violão (na verdade um
maxixe) a ser executado pela própria Primeira Dama, Nair de
Teffé que, nesse dia, a cerimônia foi no Palácio do Governo,
para solenidade de despedida da gestão do Presidente Hermes
da Fonseca (1855-1923), onde compareceram representantes do
corpo diplomático e a elite carioca. Ao final do sarau, Nair pegou
o violão (que na época era considerado um instrumento de
menor importância e associado à malandragem) e executou o
Corta-Jaca acompanhado de Catulo da Paixão Cearense (1863-1946). Era a primeira vez que aquele tipo de música, que não era tocado nos salões elegantes da época, onde era executada somente música clássica. Muitos historiadores consideram o divisor de águas da música popular brasileira.
Tratava-se de um maxixe, ritmo que era, terminantemente proibido nos salões elegantes das principais capitais brasileiras. A esposa de Hermes da Fonseca escolheu o maxixe
“Gaúcho” ou “Corta-Jaca”, de autoria de Chiquinha Gonzaga, para ser executado ao violão
(instrumento, até então, renegado pela elite brasileira), nos jardins do Palácio do Catete,
para escândalo de todo o pais. O episódio, bastante polêmico, ficou conhecido como “A Noite do Corta-Jaca”, envolvendo uma Primeira-dama brasileira, Nair de Teffé, segunda esposa do Presidente da República Marechal Hermes da Fonseca, que governou o Brasil entre 1910 e 1914. (A primeira esposa, Orsina Francione da Fonseca, havia falecida em1912.).
Entretanto, uma figura permanentemente inquieta, sempre disposta a mudar as coisas para melhor entra no cenário da controvérsia: Ruy Barbosa de Oliveira, baiano de nascimento. Rui Barbosa era Maçom, tendo sido iniciado na Maçonaria, quando ainda acadêmico de Direito, na famosa Faculdade das Arcadas, em São Paulo, tornando-se membro da Loja América, em 01.07.1869.
O Maçom Ruy Barbosa, buscava nos
seus discursos desgastar ainda mais a
imagem do Presidente Hermes, que era
seu opositor político e que o derrotara
na última eleição presidencial, em pleito
que foi cheio de fraudes e denúncias.
Indignado, Ruy Barbosa proferiu um
discurso inflamado, quase violento, nos
Senado Federal:
O grande jurista e orador, era não
somente um defensor da moral, como
também associava gosto e gênero
musical com virtudes. No púlpito, com o espírito Maçônico que lhe era peculiar, fez um
discurso de crítica avassaladora contra a música Corta-Jaca da forma mais cáustica e
severa, ridicularizando a música e afetividade em volta dela.
“Uma das folhas (jornais) de ontem estampou em fac-simile o
programa da recepção presidencial em que diante do corpo
diplomático, da mais fina sociedade do Rio de Janeiro, aqueles
quem deviam dar ao país o exemplo das maneiras mais distintas e
dos costumes mais reservados elevaram o Corta-Jaca à altura de
uma instituição social.
Mas o Corta-Jaca de que eu ouvira falar há muito tempo, que vem a
ser ele, Sr. Presidente ? A mais baixa, a mais chula, a mais
grosseira de todas as danças selvagens, a irmã gêmea do batuque,
do cateretê e do samba. Mas nas recepções presidenciais o Corta-
Jaca é executado com todas as honras da música de Wagner, e não
se quer que a consciência deste país se revolte, que as nossa faces
se enrubesçam e que a mocidade se ria ?”
A senhora Nair de Teffé, que usava o pseudônimo de Rian (Nair ao contrario) reagiu ao seu estilo, sarcasticamente, publicando uma caricatura do então senador Ruy Barbosa,
que se sentiu profundamente ofendido.
Apesar de Ruy, o Corta-Jaca foi um sucesso !
Em seu livro A VERDADE SOBRE A REVOLUÇÃO DE 1922, Nair
de Teffé comenta sobre o acontecimento “As pedras que ele me
atirou não me atingiram. Elas dormem esquecidas no fundo do mar
ou na terra e só serviram para assinalar a luta que enfrentei contra
os preconceitos de então”
Numa pequena entrevista, no dia 8 de Novembro de 1977, foi
perguntado a senhora Nair de Teffé, que sempre foi bela culta e
refinada, se ela havia cantado ou tocado Corta-Jaca no Palácio
Presidencial. Ela respondeu:
___ “Eu estudei música e gostava de apresentar em reuniões
músicas francesas, italianas e americanas. A propósito, Catulo da
Paixão Cearense, com quem eu me dava muito, certa vez me disse
por que você não apresenta uma peça brasileira nas reuniões que
realiza ? Então lhe perguntei que peça eu poderia tocar nestas
apresentações. Por sugestão do Catulo, foi lembrado o Corta-Jaca ,
que no momento parecia ser a mais indicada. Aprendi a tocá-la no
pinho (expressão usada para designar o violão) com Emílio Pereira,
exímio violonista que residia em Petrópolis e que vinha ao Rio, me
dar aulas aqui no Palácio. Foi com ele que aprendi a tocar o Corta-
Jaca, mas jamais cantei a referida peça.”
Nair de Teffé Von Hoonholtz nasceu em berço
aristocrático em 1886, em Petrópolis, filha de Antonio
Luiz Von Hoonholtz, o Barão de Teffé e de Maria Luiz
Dodsworth, neta do Conde prussiano Frederico
Guilherme Von Hoonholtz. Desde cedo seguiu o pai
em suas andanças pelo mundo como cientista e
diplomata. Nair faleceu no dia do seu aniversário,
com noventa e cinco anos, em 1981
Chiquinha Gonzaga, cujo nome completo era
Francisca Edwiges Neves Gonzaga, nasceu no Rio
de Janeiro em 1847. Ela era compositora,
instrumentista e maestrina. Foi a primeira pianista
“chorona” (musicista de choro) autora da primeira
marcha carnavalesca com letra (“O Abre Alas”,
1899), e, também, a primeira mulher a reger uma orquestra no Brasil. Faleceu no Rio de
Janeiro, em 1935.
O Corta-Jaca mereceu inúmeras gravações, passando a integrar, sobretudo, em sua
versão instrumental, o grande repertório do choro e da música nacional. E fez parte,
também, da trilha sonora do filme “SONHO SEM FIM”, dirigido por Lauro Escorel.
A composição da letra, da polêmica música de Chiquinha Gonzaga, foi composta por José Machado Pinheiro e Costa e gravada em disco, pela primeira vez, por Pepa Delgada e Mário Pinheiro:
Neste mundo de misérias
Quem impera
É quem é mais folgazão
É quem sabe cortar jaca
Nos requebros
De suprema, perfeição, perfeição
Ai, ai, como é bom dançar, ai!
Corta-jaca assim, assim, assim
Mexe com o pé!
Ai, ai, tem feitiço tem, ai!
Corta meu benzinho assim, assim!
Esta dança é buliçosa
Tão dengosa
Que todos querem dançar
Não há ricas baronesas
Nem marquesas
Que não saibam requebrar, requebrar
Este passo tem feitiço
Tal ouriço
Faz qualquer homem coió
Não há velho carrancudo
Nem sisudo
Que não caia em trololó, trololó
Quem me vir assim alegre
No Flamengo
Por certo se há de render
Não resiste com certeza
Com certeza
Este jeito de mexer
Um flamengo tão gostoso
Tão ruidoso
Vale bem meia-pataca
Dizem todos que na ponta
Está na ponta
Nossa dança corta-jaca, corta-jaca !
IA.IU.IEIE
Obras consultadas:
Brandão, Moreno - Ruy Barbosa – Mestre do Vernáculo
Campos, Maria Fátima H. – Nair de Teffé Artista do Lápis e do Riso
Diniz. Edinha – Chiquinha Gonzaga, Uma História de Vida
Figueiredo, E. – Ruy Barbosa - Um Esquecido Herói Maçom (artigo)
Santos, Paulo César – Nair de Teffé – Símbolo de uma Época
(*) E. Figueiredo – é jornalista – Mtb 34 947 e pertence ao
CERAT – Clube Epistolar Real Arco do Templo/
Integra o GEIA – Grupo de Estudos Iniciáticos Athenas/
Membro do GEMVI – Grupo de Estudos Maçônicos Verdadeiros Irmãos/
Integrante do Grupo Maçonaria Unida
Obreiro da ARLS Verdadeiros Irmãos – 669 – (GLESP)
“Oh ! Quam bonum est et quam jucundum, habitare fratres in unum!”
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