Autor: E. Figueiredo
“A tolerância é a melhor
das religiões !”
Victor Hugo (1802 – 1885)
TOLERÂNCIA, do
latim tolerare (sustentar, suportar),
é um termo que enuncia o grau de aceitação ante um elemento contrário a uma
regra moral, cultural, civil ou física.
Pela ótica da sociedade, a tolerância é a capacidade de uma pessoa ou
grupo social de aceitar outra pessoa ou grupo social, que tem uma atitude
diferente das que são a norma no seu próprio convívio.
Na Maçonaria a tolerância é
tida como uma virtude. A Sublime Ordem
prega que os homens são livres e iguais em direitos e que a tolerância
constitui o princípio fundamental nas relações humanas, para que sejam
respeitadas as convicções e a dignidade de cada um, não somente entre os
Irmãos, mas em toda sua convivência.
Como toda virtude, a tolerância consiste essencialmente em um comportamento
prático, numa regra de conduta com relação aos outros. E um dos deveres do Maçom é a tolerância, que
deixa a cada um o direito de escolher e seguir sua religião, sua opção política
e suas opiniões.
Ao ser iniciado, o Maçom
recebe um exemplar do Ritual do Simbolismo Aprendiz Maçom. A primeira coisa que ele encontra, ao
abri-lo, são os dez Princípios Fundamentais.
O nono fundamento reza: “Exigir
tolerância para com todas e qualquer forma de manifestação de consciência, de
religião ou de filosofia, cujos objetivos sejam os de conquistar a Verdade, a
Moral, a Paz e o Bem Estar Social.”
Em seu livro TRATADO SOBRE A
TOLERÂNCIA, François Marie Arouet, o Voltaire
(1694-1778) faz uma reflexão a partir do julgamento de um comerciante da cidade
de Toulouse, acusado por um suposto homicídio.
Em virtude de se basear em um caso de intolerância religiosa flagrante,
as palavras de Voltaire acerca dessa questão, se tornaram paradigmáticas para
qualquer outra reflexão posterior sobre tolerância, intolerância, liberdade de
expressão, de consciência e na crença e fanatismo religioso.
O caso aconteceu numa época
em que os católicos ainda eram maioria, tanto numérica quanto culturalmente, na
Europa, com uma família que se viu envolvida numa situação delicada. Jean Calas, o chefe da família e que era
calvinista, foi acusado pela morte por enforcamento do seu único filho
católico. Com essa acusação, de ter
matado seu filho Marc-Antoine Calas, que havia se convertido ao catolicismo,
Jean Calas de vê na iminência de ser julgado por um tribunal criminal. A notícia se espalhou pela região inflamando
um sentimento de ódio entre os católicos de Toulouse que passaram a pressionar
cada vez mais o Estado para que o acusado fosse julgado o mais rápido possível
pedindo a condenação imediata.
Com o ânimo da pressão
aflorado, ninguém mais questionava a real autoria do réu que passou a ser
tratado como homicida do filho, sumariamente.
A comunidade protestante ficou na mira da população católica cada vez
mais indignada, irredutível e furiosa,
Nas
investigações as evidências apontavam que Marc-Antoine Calas, havia cometido
suicídio, enforcando-se. Apesar das
evidências, Jean Calas é julgado responsável pelo homicídio e sua condenação
saiu no dia 9 de Março de 1762, com a pena de ter os ossos quebrados, depois
estrangulado e atirado numa fogueira.
Era a punição para quem ousasse atentar contra um católico em Toulouse.
Assim, no dia seguinte, Jean
Calas foi executado, publicamente, em um ritual macabro que certificava a
intolerância, o ódio e a insanidade de uma religião hegemônica, atestando a
falta do bom senso, da lucidez e da tolerância, propriamente dita, de cujo
processo Voltaire escreveria a obra TRATADO SOBRE A TOLERÂNCIA, com
aprofundadas reflexões.
No início do seu livro,
Voltaire faz questão de lembrar que na Europa por muito tempo o abuso da
religião e o dogmatismo exacerbado já haviam ceifado muitas vidas. Na sua argumentação ele expressava, “O furor que inspiram o espírito dogmático e
o abuso da religião cristã mal compreendida derramou sangue, produziu desastres
em vários lugares”. Ele falava,
ainda, de uma forma que ficava difícil acreditar numa convivência pacífica das
religiões, já que o catolicismo continuava reivindicando uma hegemonia,
entrando em choque com a religião protestante que estava em
ascensão. A intenção de Voltaire era, com todo otimismo, expressar uma
realidade ideal. Apresentar uma
realidade possível de convivência entre diferentes religiões, já que cada uma
teria muito a contribuir com a Humanidade.
A obra tem apenas uma pequena parte argumentativa, o essencial reside em
mostrar por meio de exemplos os estragos do fanatismo, particularmente o
religioso, durante o curso da história.
Embora tenha se inspirado em John Locke (1632-1704), que desenvolveu
como ideia principal “a distinção entre a
comunidade política e a sociedade religiosa, a distinção e a separação radical
entre funções da Igreja e as do Estado”, Voltaire não tinha por objetivo
essa separação, mas a subordinação da Igreja ao Estado, pois enxergava nisso um
meio eficaz de se garantir a tolerância propriamente dita.
Dentre
os trechos mais comoventes da sua obra, destaca-se a impressionante “Prece a Deus”, com a qual Voltaire conclui seu tratado, que num
dos trechos diz: “Já não é aos homens que me dirijo, é a Ti, Deus de todos os seres, de
todos os mundos e de todos os tempos. Se a frágeis criaturas perdidas na imensidão e
imperceptíveis ao resto do universo, for permitido ousar pedir algo a Ti, Ti
que tudo concedeu, Ti cujos decretos são tanto imutáveis quanto eternos,
digne-se olhar com piedade aos erros ligados à nossa natureza; que tais erros
não se transformem em calamidades !”.
Entretanto, as religiões
sempre foram intolerantes umas com as outras, pois todas se consideram
detentoras exclusivas da verdade.
Proteger a integridade do dogma é para qualquer religião uma questão
vital. Compreende-se, pois, que a
intolerância é uma atitude mental caracterizada pela falta de habilidade ou
vontade em reconhecer e respeitar diferenças em crenças e opiniões. Num sentido político e social, intolerância é
a ausência de disposição para aceitar pessoas com pontos-de-vista
diferentes. No âmbito religioso, com
relação a outros credos, por serem monoteístas, as religiões cristãs têm
dificuldade em tolerar a possibilidade de existência de outros deuses.
Algumas citações: Tolerância
não significa aceitar o que se tolera. - Mahatma Gandhi(1869-1948); Há um limite em que a tolerância deixa de
ser virtude. - Edmund Burke(1729-1797); Sempre que se produz legislação baseada na
religião, abre-se caminho a todo tipo de intolerância e perseguições. - William Butler Yeats(1865-1939); São pouquíssimo os homens capazes de
tolerar, nos outros, os defeitos que eles próprios possuem. Arturo Graf(1848 – 1913); A
responsabilidade da tolerância está com os que têm a visão mais ampla. - George Eliot(1819-1880). -
O sucesso reside em três coisas: decisão,
justiça e tolerância. - Johann
Wolfgang von Goethe(1749-1832); Na
prática da tolerância, um teu inimigo é o melhor professor. - Dalai Lama XIV(1935- ); Com a
sabedoria aprendemos a ser tolerantes.
Henry David Thoreau(1817-1862).
Apesar de Voltaire ter escrito
em 1763, o TRATADO SOBRE A TOLERÂNCIA revela-se hoje, mais de 250 anos depois,
uma reflexão atualíssima sobre o comportamento do Homem, a religião de cada um,
o sistema judiciário, a responsabilidade dos juízes e os efeitos perversos que
as leis podem ter.
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Bibliografia:
Aslan, Nicola –
Grande Dicionário Enciclopédico de Maçonaria e Simbologia
Bruno, Alci –
Aconteceu na Maçonaria
Locke,
John – Carta sobre a Tolerância
Mellor,
Alec - Dicionário da Franco-Maçonaria e dos Franco-Maçons
Voltaire – Tratado Sobre a Tolerância