Autor: Ir.´.Júlio César Santos
Dia 7 de setembro de 1822, às 16h30 Dom Pedro, às
margens do Ipiranga, em meio às espadas erguidas dos militares faz talvez o
grito mais famoso e importante para nossa historia – “Laços fora,
soldados! Pelo meu sangue, pela minha
honra, juro fazer a liberdade do Brasil. Independência
ou morte!”
Na verdade, o que comemoramos é a data do grito! A
independência política – destituída da ideia de completa separação de Portugal
– havia sido anunciada oficialmente um mês antes.
A independência brasileira foi resultado direto da
ação do movimento Maçônico. A Maçonaria, com sua diversidade natural, expressava
contradições políticas, econômicas e estratégicas. Na Inglaterra, os Maçons
defendiam a monarquia constitucional e serviam como uma ponta de lança da
influência britânica sobre o mundo. Essa ideia de monarquia acabou dominando os
primeiros tempos da independência brasileira. Mas na França, como nos Estados
Unidos (que fizeram sua independência a partir de 1776), os Maçons defendiam o
regime republicano, e divulgaram essa ideia por todo o mundo desde a revolução
começada em 1789 com a tomada da Bastilha. O ideário republicano dessas
correntes Maçônicas teve consequências decisivas para os países da América
espanhola.
Um dos motivos pelos quais a ação dos Maçons da
Inglaterra era mais moderada no começo do século 19 surgia do fato de que lá
não havia sido necessária, no século 18, a violência da Revolução Francesa.
Desde os tempos de Francis Bacon, a influência Rosacruz e Maçônica era bem
maior e mais forte na Inglaterra, tornando a aceitação das ideias liberais algo
natural. Já na França, as elites se haviam negado a aceitar qualquer
modernização, apesar dos esforços de grandes Maçons, e de sábios notáveis como
Alessandro Cagliostro e o conde de Saint-Germain na segunda metade do século
18. A influência dogmática do Vaticano, muito forte na França, era pequena na
Inglaterra. A irresponsabilidade cega das elites levou ao banho de sangue da
Revolução Francesa.
O avanço das ideias liberais, estimulado no mundo
inteiro pelas Maçonarias inglesa e francesa, já era inevitável. Os velhos
regimes coloniais e as monarquias absolutistas estavam com os dias contados. Em
Portugal, a revolução liberal de 1820 alterou radicalmente a situação e as
Cortes (parlamento) portuguesas passaram a pressionar Dom João VI. Quando
finalmente o rei deixou o Brasil e voltou para Lisboa, em abril de 1821, as
Cortes pretendiam fazer a sociedade brasileira voltar à situação de simples
colônia, depois de haver sido sede do Império, e isso acelerou a ruptura.
O príncipe regente Dom Pedro fora aconselhado por seu
pai a chefiar a independência caso esta fosse inevitável. Em 9 de janeiro de
1822, ele cedeu a um movimento organizado por José Joaquim da Rocha e outros Maçons
e desobedeceu os decretos 124 e 125 das Cortes portuguesas, que alteravam a
estrutura administrativa do Brasil e mandavam que o príncipe regente voltasse
imediatamente a Portugal.
“Diga ao povo que fico”, anunciou Dom Pedro, firmando
uma aliança com os Maçons.
Em 13 de Maio, a loja Maçônica “Comércio e Artes” deu
a Dom Pedro o título de “Defensor Perpétuo do Brasil”. Crescia a influência de
Joaquim Gonçalves Ledo. Poucos dias depois, José Bonifácio assumiu o cargo de
ministro do Interior e do Exterior.
Em 2 de Junho de 1822, meses depois do Dia do Fico,
Bonifácio criou o Apostolado, organização semelhante à Maçonaria, e
nomeou Dom Pedro como seu chefe, com o título de “arconte-rei”. Meses antes do
dia sete de Setembro, um dos lemas do “Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros
da Santa Cruz” era, significativamente, “Independência ou Morte”. Como parte do
juramento prestado ao ingressar na ordem, cada novo membro do apostolado dizia:
“Juro promover, com todas as minhas forças e a custo
da minha vida e riqueza materiais, a integridade, a independência e a
felicidade do Brasil, como império constitucional, opondo-me tanto ao
despotismo que o altera como à anarquia que o dissolve. Assim Deus me ajude.”
As palavras do grito do Ipiranga, em 7 de Setembro,
seriam, mais tarde, praticamente uma renovação desse compromisso por parte do
futuro imperador. Gonçalves Ledo e os principais líderes do movimento
emancipado eram membros do “Apostolado”.
A data da iniciação de Dom Pedro na Maçonaria não
parece estar bem estabelecida. Segundo aquele que é talvez o principal
pesquisador Maçônico da independência, José Castellani, Dom Pedro foi iniciado
na Maçonaria apenas no dia 2 de agosto. De qualquer modo, em 17 de Julho Ledo
organizou as lojas Maçônicas no Grande Oriente do Brasil e ofereceu o cargo de
grão-mestre a José Bonifácio, ficando com a posição imediatamente inferior, de
primeiro vigilante. Dois dias depois, uma carta de Dom Pedro a seu pai deixava
claro que a ruptura entre Brasil e Lisboa já era total.
Em obediência à estratégia traçada por José Bonifácio,
principal conselheiro do príncipe, em 1º de Agosto, Dom Pedro assinou um
“Manifesto aos Brasileiros”, redigido por Gonçalves Ledo, e um decreto tomando
providências para a defesa militar e a vigilância dos portos brasileiros. Como
proclamação da independência, o “Manifesto” é muito mais claro e poderoso que o
Grito do Ipiranga, de 7 de Setembro., Barão do Rio Branco autor do manifesto
está claramente estabelecido e tem valor legal e oficial, que o evento do
riacho não possuiu.
Cinco dias depois dessa declaração formal de
independência, dirigida “Aos Povos do Reino do Brasil”, um outro manifesto
declara formalmente a independência, agora perante a comunidade internacional.
No “Arquivo Diplomático da Independência” temos o documento de seis de Agosto de 1822,
redigido por José Bonifácio e assinado pelo príncipe-regente Pedro. Este
segundo manifesto tem uma breve introdução anexada a ele, que é intitulada, de
modo muito claro:
“Sucinta e
Verdadeira Exposição dos Fatos que Levaram o Príncipe, Agora Imperador, e o
Povo Brasileiro a Proclamar o Brasil Como uma Nação Livre e Independente”.
No dia seguinte ao Manifesto de Primeiro de Agosto,
Dom Pedro parece ter sido iniciado na Maçonaria.
Três dias depois do Manifesto, ele foi elevado ao grau
de mestre Maçom. Em 7 de Setembro, ocorreu o Grito do Ipiranga. Em 9 de
setembro, em reunião Maçônica no Grande Oriente do Brasil, Dom Pedro foi
proclamado imperador. Os acontecimentos se precipitaram. Em 18 de setembro ele
escreveu a Dom João VI anunciando que o Brasil não obedeceria mais às Cortes
portuguesas. Em 12 de Outubro foi aclamado publicamente como imperador. O acordo
entre José Bonifácio e os Maçons, que era frágil de ambos os lados, se desfez.
A Maçonaria havia exigido de Dom Pedro três papéis assinados em branco e o
juramento prévio da futura Constituição, fosse qual fosse o seu texto. Como
resposta, em 25 de outubro, Dom Pedro fechou o Grande Oriente do Brasil, e, no
dia 30, Bonifácio processou os principais líderes Maçônicos.
Dia 3 de Novembro, Bonifácio ordenou a prisão de
Gonçalves Ledo, mas ele escapou para a Argentina, onde foi recebido com honras
pelos dirigentes da Maçonaria local.
Em 3 de Maio de 1823, finalmente, foi instalada a
Assembleia Constituinte. Em 7 de Julho, foi desfeita a condenação contra os
líderes Maçônicos e eles puderam voltar. José Bonifácio se afastou do governo
em 17 de julho.
Em 16 de Novembro, Dom Pedro fechou a Assembleia Constituinte,
e Bonifácio foi preso e desterrado para a França, onde ficaria por vários anos.
Em Fevereiro de 1824, Dom Pedro outorgou a primeira Constituição brasileira.
Em 2 de Julho, o Maçom Pais de Andrade, presidente da
Junta de Governo de Pernambuco, lançou a chamada “Confederação do Equador”,
proclamando a República, e pediu apoio dos Estados vizinhos. O movimento
republicano foi vencido em Novembro e seus líderes mortos. Nenhum carrasco
aceitou enforcar Frei Caneca, como queriam as autoridades, e ele teve de ser
fuzilado. Dom Pedro I abdicou do trono em 7 de abril de 1831, e depois disso o
Grande Oriente do Brasil foi reorganizado. Durante um breve tempo, houve então
um acordo de paz entre José Bonifácio e Gonçalves Ledo.
As principais forças políticas da época tinham um
comportamento mutável e incoerente. Não havia um projeto histórico claro, com a
exceção do Brasil planejado por José Bonifácio. Esse foi o esboço de projeto
histórico que acabou, em parte, prevalecendo: um país unido, que caminhasse em
direção à abolição da escravatura e à reforma agrária. Significativamente, o
sonho político dos republicanos já é realidade, mas a reforma agrária ainda não
ocorreu: é mais fácil mudar a forma do que a substância.
O movimento Maçônico participou de todas as lutas
daquele período, e até do período posterior à proclamação da República em 1889,
expressando, pela sua atuação frequentemente desordenada e contraditória, os
talentos e as fraquezas da alma brasileira. Cumprida uma etapa histórica, a Maçonaria
despolitizou-se, o que é bom.
No início do século 21, os sonhos de Tiradentes e Frei
Caneca, assim como os projeto mais abrangente de José Bonifácio, só são
desatualizados e contraditórios na sua superfície externa e aparente. Na
realidade, eles continuam essencialmente atuais, assim como os Manifestos que
proclamaram a independência em Primeiro de Agosto e Seis de Agosto de 1822.
O Brasil, visto como um povo, continua acumulando
forças e avançando passo a passo, naturalmente, na direção de uma maior independência
nacional; sem pretender uma “separação” em relação ao resto do mundo, mas
apontando para a justiça social, a reforma agrária, a preservação do meio
ambiente e – claro – a ética na política e na administração pública.