“A História é: êmula do tempo,
repositório dos fatos, testemunha do passado, exemplo ao presente, advertência
para o futuro.”
(Miguel de Cervantes)
“A História é: versão dos eventos
passados sobre os quais as pessoas decidiram concordar .”
(Napoleão Bonaparte)
2ª Parte
Autor: Ir.´. Dilson C. A. Azevedo
Ad
perpetuam rei memoriam (para perpétua lembrança do fato), seja dito que em
13/10/1307 (sexta-feira treze, dia azíago) ocorreu com a Ordem do Templo uma
tragédia, a qual até hoje revolta aos que não são indiferentes à injustiça, à
ignorância, ao fanatismo e à tirania.
Acusados
de Heresia, atos obscenos, etc, os membros da Ordem Templária,
“sacerdotes-guerreiros”, “os primeiros a atacar e os últimos a se retirar”,
foram
subitamente presos ao alvorecer do dia, por ordem do Rei da França Felipe IV.
Segundo o seu ponto de vista ele poderia punir aos Templários pois os mesmos
não eram monges e sim militares, daí que
a competência judiciária sobre eles pertencia ao poder laico. Não teria
porém condições de julgar a Ordem que era apenas subordinada ao Papa. Na
realidade, ele ambicionava apoderar-se dos tesouros da Ordem do Templo.
Os
templários eram nessa época os maiores proprietários de terras na Europa,
possuindo também castelos, inclusive na Ásia Menor e Palestina, tudo bem
administrado e isento de dízimo religioso.
Entretanto,
este poderio econômico causava incômodo a vários setores da Sociedade: ao Clero
(por receber a Ordem doações que poderiam ser destinadas à Igreja), aos Nobres
– endividados com os Templários, aos Comerciantes (por concorrência em negócios
e atividades outras) e finalmente ao Rei Felipe que sentia inveja pelo poder
que eles tinham.
Tudo
o que sucedeu foi planejado com antecedência. Muito antes, o Monarca infiltrou
espiões do Governo entre os Templários para obter informações que os
incriminassem, e também conseguiu outras maledicências supostamente
comprometedoras através Esquin (ou Esquieu) de Floryac (ou Floyran), que havia
sido expulso da Ordem.
Era
uma época de fanatismo religioso, estimulado pela Igreja Católica com o
objetivo de consolidar seu poder. Para imaginar-se o que acontecia por aqueles
tempos, diga-se que em 909 o Concílio de Trosly (assembléia dos religiosos para
tratar de temas específicos), em Soissons (França), anunciou a chegada do
Apocalipse, gerando pânico entre o povo e intenso fervor religioso.
Tal
fato estimulou penitências, doações para limpar consciências, e perseguições
aos que não seguissem as idéias da Igreja sendo eles chamados de Hereges (do
grego significando opção ou escolha). Diga-se a propósito que a obtenção dos
bens dos Hereges sempre foi algo de interesse ao Poder Dominante. Em Portugal
(1681) havendo necessidade monetária para um casamento real, a Nobreza e o Clero
suplicaram ao Papa permitisse o restabelecimento da Inquisição, para que o
confisco dos bens dos Hereges pudesse cobrir os gastos do evento (A. Novinsky).
O
Rei Felipe IV (1268-1314) cognominado “O Belo” tinha um caráter não condizente
com as sua aparência física. Era cruel, implacável, corrupto e muito ambicioso.
Esteve
envolvido na morte do Papa Benedito XI que faleceu após comer figos
envenenados. Modificou trinta e cinco vezes a moeda do seu país, sendo por isso
chamado “falso moedeiro”. Transformou os luizes (moeda da época) que deveriam
ser de ouro, em uma liga, ficando assim com um valor inferior ao cunhado
anteriormente. Prendeu banqueiros italianos e também aos judeus (aos quais
podia torturar) para apoderar-se dos seus bens. Extorquiu ainda ao Clero e
criou em excesso de novos impostos. Era devedor financeiro aos ricos e
poderosos Templários (por despesas familiares e militares). Estes últimos em certa ocasião o socorreram em sua Sede em Paris,
protegendo-o de uma revolta popular (Force Monnaie 1306) porque ele
desvalorizou a moeda corrente. Conta-se que durante o abrigo de nove dias
(outros falam em três dias), o seu séquito, acostumado a uma vida de excessos,
conseguiu consumir 806
libras de pão e 2077 litros de vinho.
Em
relação aos Templários tinha ele ressentimentos: relutância da Ordem em
emprestar o dinheiro para o resgate do seu avô São Luiz durante uma Cruzada, e
recusa pelos dirigentes da Organização Templária em admití-lo como
membro-honorário ao perceber suas intenções de tirar proveito do fato. Não
obstante tudo isto convidou o Grão Mestre Jacques de Molay, para padrinho de um
dos seus filhos (embora isto fosse proibido pela Ordem), por considerá-lo “o
mais justo e perfeito Cristão”.
Também
na véspera da prisão dos Templários deu a Jacques de Molay a honra de segurar o
cordão da mortalha da Princesa Catarina de Courtenay sua cunhada.
Astutamente
para colocar a opinião pública a seu favor ao aprisionar os Templários, redigiu
comunicado para ser lido em Paris e outras cidades da França, justificando sua
conduta. Depois enviou cartas aos Reis Cristãos da Europa explicando o que
aconteceu, e solicitando agissem como ele.
Logo
após a prisão dos Cavaleiros do Templo, preocupou-se o Rei em pilhar cartas de
crédito e documentos que atestassem suas dívidas perante os Templários.
O
Rei Felipe IV após contínuas discussões e intimidações conseguiu o apoio do
Papa Clemente V (Bertrand de Got ou Guoth, ou Goth, 1264-1314), o qual devia
sua eleição aos 40 anos de idade, à interferência do monarca francês.
Embora
duvidando das acusações, e desvalorizando os Templários que sempre se
destacaram na defesa do Cristianismo, o Soberano Pontífice emitiu uma bula
abolindo a Ordem do Templo. Bula é um documento lacrado com uma pequena bola de
cera ou metal, e que recebe o nome de suas primeiras palavras.
Entretanto
em 2001 na Biblioteca Secreta do Vaticano, a pesquisadora Barbara Frale achou
um documento, não promulgado, o chamado Pergaminho de Chinon, absolvendo os
dirigentes Templários
Clemente
V, estudioso da Alquimia (para obter a Pedra Filosofal, e assim adquirir riquezas
materiais) era fraco de caráter, tergiversador, mundano, nunca viajando sem a
sua amante Brunissende, a qual lhe custava muito financeiramente. Para aumentar
seus rendimentos vendia bênçãos para remissão total ou parcial dos pecados, revogava
decretos de excomunhão, reduzia o tempo no purgatório aos que tinham morrido,
etc.
Curioso
é que no brasão da sua família estava escrito: “Par Infimis (igual aos mais
humildes) o que era discordante com sua vida pessoal.
Durante
sua coroação em Lyon (França) ocorreu uma tragédia. Em uma rua estreita uma
parede não agüentou o peso dos espectadores e caiu sobre o Cortejo Papal. À
frente vinha o Papa cavalgando um cavalo branco, com as rédeas seguradas por
Charles de Valois, irmão do Rei Felipe IV. Atrás do Papa seguia o Rei
demonstrando humildade.
Algumas
pessoas morreram no acontecimento, entre elas um irmão do Pontífice. No outro
dia, durante uma briga faleceu um outro irmão do Papa. (Enciclopédia Católica).
Na
ocasião do incidente a Tiara Papal ou Triregnum (três coroas superpostas
indicando o Poder Supremo do Papa, acima dos fiéis, sacerdotes e dos reis ou as
três Igrejas padecente, militante e triunfante), caiu ao solo perdendo-se uma
pedra preciosa.
Havia
cerca de 2000 Templários na França, incluindo cavaleiros e servos. Aqueles aprisionados
foram submetidos de imediato a torturas para extrair confissões de crimes, ante
que surgissem objeções públicas e para colocar o Papa diante de um “Fait
Accompli” (Fato Consumado)
Justificava-se
o emprego de torturas em casos de heresia porque em 1252 o Papa Inocêncio IV,
assim o havia autorizado.
Então
chamou-se o Grande Inquisidor da França, Guillaume (Robert) de Paris, confessor
de Felipe IV, e também carcereiros e executores do Monarca.
O
Inquisidor solicitou ainda ajuda a outros Dominicanos (ridicularizados por
alguns como Domini Canes, “os cães do Senhor”), pois eles tinham experiência na
obtenção de “confissões” e “procedimentos eclesiásticos” que não causavam
derramamento de sangue ou quebra de ossos, após a prática com os cátaros e
judeus. Ironicamente em 1143, durante Assembléia Geral, estes sacerdotes
Dominicanos tinham decidido que ao assistirem como confessores o testamento de
agonizantes, eles procurariam garantir uma doação aos Templários (Jean
Tourniac).
Os
infames procedimentos de tortura incluíam entre outras coisas: açoitamento com
chicote de ponta metálica, distensão dos membros a ponto de deslocar as
articulações, esfregar a sola dos pés dos condenados com gordura e depois
colocá-las diante do fogo, enfiar lascas de madeira sobre as unhas ou
arrancá-las, aplicar ferro em brasa em qualquer parte do corpo, arrancar dentes
perfurando as gengivas para aumentar a dor, interrogar incessantemente o
prisioneiro o qual não podia dormir e deixá-lo urinar e evacuar à vista de
todos, privando também de água e alimentos, etc.
Às
vezes os agentes da Lei, Guardiões da Pureza Religiosa e Política, sádicos
Homens-Feras, criavam terror mostrando apenas os instrumentos de suplício, ou
permitindo uma próxima vítima assistisse o “delicado” interrogatório de outro
infeliz preso.
Eram
comuns distúrbios psiquiátricos e tentativas de suicídio entre os Templários
aprisionados. Um deles chegou a declarar: “Mataria Deus para interromper meu
tormento”.
As
instalações das prisões, sem luz ou ventilação, com mau cheiro ambiental também
contribuíam para o desespero. Muitos Cavaleiros amontoados em um único cômodo
eram presos a um aro no chão ou parede.
O
Templário Ponsard de Gisy declarou que permaneceu três meses dentro de um
fosso, com as mãos amarradas as costas.
A
comida e água servidas eram de péssima qualidade causando vômitos e diarréia, e
os doentes não tinham como fazer higiene pessoal, dormindo no chão sujo, às
vezes limpo com baldes de água.
Somente
na Torre do Templo em Paris, 138 Templários sucumbiram às torturas, confessando
crimes que não cometeram. Aos que confessassem era-lhes retirada a barba (sinal
de origem nobre), privilégio que os distinguia de outras ordens monásticas.
Muitos morreram nas fogueiras.
Também
o Grão Mestre da Ordem do Templo não escapou da tortura que o levou a confessar
ter renegado a Cristo. Conta-se que em certa ocasião ao ser interrogado por
Cardeais, ele rasgou sua camisa para mostrar seus ferimentos, e os prelados
“choraram amargamente e foram incapazes de falar”.
Dizem
alguns que nestes “procedimentos”, o torturado fala não apenas o que o
Inquisidor quer, mas também o que imagina possa agradá-lo.
Após
sete anos de encarceramento, aos 70 anos, esquálido, Jacques de Molay foi
levado diante da Catedral de Notre Dame para leitura da sua sentença que seria
prisão perpétua. Nessa ocasião retratou-se publicamente do que havia
“confessado”. Declarou sua inocência, e afirmou: “Que necessidade pode ter a
vida, se me for preciso comprá-la com uma mentira?”
Tal
fato gerou comoção pública entre os presentes tornando-o um Herege reincidente.
Tal comportamento levou o Rei Felipe IV a ordenar que fosse queimado vivo
imediatamente ao pôr do sol, juntamente com Geoffroy de Charney (Mestre da
Normandia) em pequena ilha na extremidade da Ilê de La Cite (Paris).
Acreditava-se
que o fogo purificava o pecador que iria direto ao paraíso.
Afirmava-se
que Igne natura renovatur integra (a natureza é inteiramente regenerada pelo
fogo).
Jacques
caminhou para a morte com tranquilidade. Diz-se que falou:
“Os
corpos pertencem ao Rei, mas as almas pertencem ao Senhor Deus”.
Morreu
invocando proteção de São Jorge (Santo da Cavalaria) para a Ordem e clamando ao
Criador fossem chamados a juízo o Rei Felipe IV e o Papa (em hebraico falou:
Nekam Adonai, Chol Begoal – Vingança Senhor, abominação a todos). Pediu também
ficar voltado para a Catedral de Notre Dame.
Preso
a uma estaca sofreu a ação lenta de um fogo quente e sem fumaça.
Naquele
momento sentia-se um cheiro fétido de carne queimada espalhando-se pelo ar. Com
face preta, língua inchada, Jacques falava com dificuldade. Gordura, água e
sangue pingavam das extremidades dos dedos, até que sua força acabou, e com os
membros inferiores praticamente consumidos, tombou para frente.
Existe
uma lenda que após a morte do Grão Mestre, o teto da Catedral de Notre Dame
encheu-se de corvos, aves relacionadas com mau agouro.
Mais
tarde, à noite, algumas pessoas foram recolher as cinzas dos mártires, cobrindo-as
com acácias.
Curiosamente
trinta e sete dias depois morria o Papa Clemente V, com dores abdominais e
febre. O seu corpo foi em parte carbonizado, porque durante a noite, em seu
velório, quando foi abandonado, uma vela caiu sobre o catafalco e incendiou o
local.
Cerca
de sete meses mais tarde o Rei Felipe IV faleceu aos 46 anos. Ele perdeu-se dos
acompanhantes em uma caçada e foi achado caído do cavalo, talvez por acidente
vascular cerebral. Alguns dizem que seus ferimentos infectaram-se ocorrendo gangrena
e depois óbito. O seu coração foi transportado par o Mosteiro de Poissy. Em
certa ocasião um raio caiu sobre a igreja incendiando-a, e destruindo o que
restava do Rei da França. A sua sepultura na Basílica de Saint Dinis foi
profanada em 1793 durando a Revolução Francesa. Os seus três filhos, que o
sucederam, morreram também no decorrer de catorze anos.
Muitos
anos mais tarde (1793, final da Monarquia Francesa), durante a execução do Rei
Luiz XVI na guilhotina (invenção que decapitou 2.794 inimigos da Revolução
Francesa em Paris, aperfeiçoada por razões humanitárias por J. Guillotin,
filiado a Maçonaria), um homem barbudo sempre presente quando padres iam ser
guilhotinados, subiu ao patíbulo e borrifou com sangue real as cabeças das
pessoas mais próximas e gritou:
“Peuple
français, je te baptise au nom de Jacques et de la Liberté”.
(Povo
francês, eu te batizo em nome de Jacques e da Liberdade”.
Passaram-se
séculos no Grande Teatro do Mundo, e vemos hoje que na peça “Os Templários”
apresentada na França, alguns atores vivenciaram papéis infames, outros ao
contrário preferiram atuar demonstrando uma nobreza espiritual elevada, tudo de
acordo com as essências de cada um.
Lamentável
isto tenha ocorrido de um modo chocante e totalmente em desacordo com as bases
do Cristianismo, usado para encobrir propósitos escusos.
Ao
inúmeros Templários torturados, queimados, insepultos, sejam lembradas as
palavras de Tácito (historiador romano, 55 dC – 120 dC) parafraseadas pelo
escritor e ministro francês André Malraux (1901-1976):
“Le
tombeau des héros est le coeur des vivants”.
(O
túmulo dos heróis é o coração dos vivos).
Créditos de imagens:
1)
Templários
– Editorial Estampa
2)
Nascidos
em Berço Nobre
– S. Dafoe – Ed. Madras
3)
Os
Templários – M. Haag – Ed. Prumo
4)
Os
Templários – P. P. Read – Ed. Imago
5)
A
Inquisição – A. Novinsky – Ed. Brasiliense
6)
O
Compasso e a Cruz – S. Dafoe – Ed. Madras
7)
História
Ilustrada dos Cavaleiros Templários – Ed. Pensamento